Informe-se

A iminente eventual queda do IGP-M/FGV e o destino dos contratos de aluguel


Por

13 de julho 2021

Tema em pauta recorrente desde que o ano de 2020 se encerrou, os contratos de locação de imóveis, bem como outros contratos do setor imobiliário que utilizam do IGP-M/FGV para reajustar obrigações, por se valerem costumeiramente de um índice que tem extrapolado as previsões de mercado, tornaram extremamente onerosos, negócios que tinham por premissa o baixo risco.

A lei do inquilinato não dispõe de norma expressa definido de que forma será realizado o reajuste dos contratos a ela vinculados. Sequer há lei específica que prevê o reajuste de locações. Tanto que o parágrafo único do art. 17 da Lei é expresso ao afirmar que “nas locações residenciais serão observadas os critérios de reajustes previstos na legislação específica”. Também prevê no art. 18 ser lícito às partes “inserir ou modificar cláusula de reajuste”.

O IGP-M, como indicador IGP, foi concebido no final dos anos de 1940 para ser uma medida abrangente do movimento de preços que englobasse não apenas diferentes atividades como também etapas distintas do processo produtivo, ou seja, um indicador mensal do nível de atividade econômica do país. Este índice é utilizado amplamente na fórmula paramétrica de reajuste de tarifas públicas (energia e telefonia), em contratos de aluguéis e em contratos de prestação de serviços.

Historicamente, nos últimos 20 anos, o IGP-M teve um aumento médio de 8,81%, tendo anos em que a variação foi negativa (2009 e 2017) e, antes de 2020, tendo apenas um ano onde o índice ultrapassou a marca de 20% (2002), de maneira que sempre foi um índice que, por sua baixa volatilidade, interessou o mercado e serviu como padrão para contratos.

Porém, em 2020, o índice acumulou um aumento de 23,14%, marca próxima do que não atingia desde 2002, e, até junho de 2021, já atingiu 14,26%. Se a avaliação for feita entre junho de 2020 e maio de 2021, em 12 meses, o IGP-M teve uma variação de 32%.

Um contrato assinado em junho de 2020, por R$5.000,00 (cinco mil reais), com previsão anual de reajuste pelo IGP-M, iniciaria o novo ciclo pelo valor de R$6.600,00 (seis mil e seiscentos reais), sem contar outras questões estariam atreladas ao contrato, v.g. condomínio, IPTU.

Outrossim, a pandemia teve papel de suma importância na discussão que se instaurou acerca dos contratos de locação, na medida em que diversas cidades tiveram decretos que determinaram lockdown, afetando diretamente empresas que dependiam do próprio funcionamento e, ensejando numa massiva quantidade de ações que discutiam suspensão, reajuste ou diferimento dos aluguéis devidos.

Fato é que o Brasil permanece em situação de pandemia, os contratos de locações residencial ou comercial continuam em alta, sendo que agora o foco do mercado está na utilização do IGP-M como índice padrão para contratos locatícios.

Nessa toada, na Câmara de Deputados foi criado o Projeto de Lei n. 1.026/21, e no Senado Federal foi criado o Projeto de Lei n. 1.806/2021, além de alguns outros de mesmo teor. Todos com a iniciativa de alterar a Lei do Inquilinato para prever que o índice de correção a ser aplicado não poderia ser superior ao IPCA/IBGE, ou seja, aparentemente estará definido em lei que uma questão antes regida pelo direito civil e pela autonomia da vontade, estará sujeita ao controle estatal.

Para todos os efeitos, o IPCA é outro índice de variação de preços de mercado, estabelecido mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), sendo o índice oficial do Governo para representar a inflação no Brasil. Em linhas gerais, de diferente para o IGP-M, o índice do Governo leva em conta apenas os preços do comércio e de serviços para o consumidor final, enquanto que o índice elaborado pela FGV considera o custo de vida das famílias, os preços de produtos do agronegócio e indústria em geral e, por último, o custo da construção civil no setor da habitação.

Apesar dos índices serem historicamente equiparados, a recente alta, especialmente nas commodities (soja, milho e trigo), impactaram diretamente no IGP-M, tornando tão gráfica a discrepância com o índice equivalente elaborado pelo Governo.

De toda forma, apesar de ser uma preocupação válida se analisada dentro do contexto da pandemia, de desvalorização do real frente ao dólar, as discussões urgentes do tema nas casas legislativas parecem não levar em consideração todas as implicações das mudanças propostas, mas tão somente a situação dos inquilinos em contratos de locação.

Talvez como mais importante, os projetos de lei revelam a intenção do Governo em gerenciar relações pautadas pela autonomia da vontade e livre iniciativa. Não menos relevante, a medida pode gerar um efeito cascata com a judicialização desenfreada de demandas com o escopo de revisar contratos com fundamento na nova lei eventualmente aprovada. Ainda, a não renovação de contratos também poderá ser uma consequência que tende a implicar no aumento médio do aluguel em grandes cidades, cujo tipo de negócio (locação) é regra.

De mais a mais, estabelecer um índice como limite não traz nenhuma garantia ao particular de que esse índice se manterá abaixo do outro que está substituindo, ou mesmo que esse último não irá em algum momento desacelerar e ser novamente atrativo do ponto de vista do locatário. Da mesma forma, considerando que o contrato continuará sendo regido pelo direito privado, nada impede que outras maneiras de burlar a intervenção estatal sejam criadas, tornando sem efeito a mudança legislativa pretendida.

Com efeito, é possível verificar que o próprio mercado busca se regular diante dos acontecimentos que geram impacto. Entendemos que a livre negociação entre inquilinos e proprietários ainda é a melhor forma de buscar o equilíbrio que o legislativo pretender impor.

Em outras palavras, assim como um inquilino não quer ver sua despesa aumentar 30% em doze menos, um proprietário não deverá arriscar, em tempos como estes, a perder uma fonte de renda segura e garantida.

O movimento ideal tende a ser este, ou seja, o mercado entendendo os momentos que passa e trabalhando com o reajuste do aluguel para cima ou para baixo. Diferente da intervenção que o Governo tem sobre a sociedade do ponto de vista tributário, por exemplo, as relações entre particulares tendem a levar em consideração o bom senso e o equilíbrio.

Em conclusão, a despeito da iniciativa em se buscar o equilíbrio de determinado tipo de relação, os projetos de lei que discutem o estabelecimento de determinado índice para os contratos locatícios, seja pela ansiedade, seja pela urgência no tratamento, deixaram de levar em consideração diversos aspectos desse tipo de relação e todos os impactos da mudança proposta.

Tanto é que, quando o texto legal aprovado pela Câmara foi apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), após parecer contrário, foi retirado de pauta, mostrando, mais uma vez, a importância de um estudo amplo quando há pretensão de mudanças legislativas que, para todos os efeitos, tendem a ser perenes.

Compartilhe

Posts Relacionados

Newsletter

Assine e receba nossas atualizações e conteúdos ricos exclusivos