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Seguro prestamista, venda casada e o tema 972 do STJ.


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13 de fevereiro 2024

Autor: Diogo Aquino Paranhos

 

Imperioso se iniciar este artigo com uma breve definição de Venda Casada, prevista no inciso I, do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. (Artigo 39, I do Código de Defesa do Consumidor)

Assim, é premissa básica da Venda Casada que o Fornecedor (FINANCEIRA), condicione a liberação do produto (FINANCIAMENTO), à aquisição de um outro produto (SEGURO). Certo é que os contratos das relações consumeristas são documentos pré-elaborados, com poucas opções de alteração para o consumidor, mas uma vez contratado, este não pode simplesmente alegar ignorância com relação às cláusulas, por não estar mais de acordo com os termos ajustados, vez que lhe foi ofertada a oportunidade de ler o documento, vindo a assiná-lo dando irrefutável ciência do que ficou previsto.

Neste norte, necessário se ter em conta que o mero dissabor com as cláusulas não pode ser motivo para a rescisão ou revisão do contrato, muito menos gerar indenização por danos morais, pois é inequívoco que o contrato assinado faz leis entre as partes, não podendo ser revisto por mera liberalidade, ainda que estejamos lidando com uma relação de consumo e o consumidor se sinta prejudicado, deve haver prova inequívoca da coação para aquisição do produto secundário.

Firmada esta premissa, alguns Estados tomando por base o artigo 39, I do CDC, já apresentaram leis, declarando como ilegais as cláusulas que inserem de tarifas nos contratos, penalizando com a restituição em dobro, exemplo disso é Lei nº 16.559/2019, foi criado o Código de Defesa do Consumidor do Estado do Pernambuco, que continha a seguinte previsão:

Art. 31. É vedada a cobrança de taxas de abertura de crédito, taxas de abertura ou confecção de cadastros ou quaisquer outras tarifas, implícitas ou explícitas, de qualquer nomenclatura, que caracterizem despesas acessórias ao consumidor.
§1º Em caso de cobrança na forma mencionada no caput, o consumidor terá direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais.
§2º O descumprimento ao disposto neste artigo sujeitará o infrator à penalidade de multa prevista no art. 180, nas Faixas Pecuniárias A, B ou C, sem prejuízo da aplicação cumulativa de outras sanções previstas neste Código. (Artigo 31 da Lei nº 16.559/2019).

 

Fica óbvio, pelo texto acima, que a tentativa do legislador foi fixar a venda casa de forma genérica, onde a cláusula que gerasse qualquer gasto ao consumidor, diverso do produto/serviço contratado, seria ilegal, trazendo não só insegurança jurídica às instituições financeiras, mas verdadeira aberração jurídica, na qual o Estado estaria legislando sobre matéria consumerista.

Felizmente, com a apresentada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6207, os artigos 31; 33, II; 143, 144 e 145 da Lei 16.559/2019, foram declaradas inconstitucionais:

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Arts. 31; 33, II; 143, 144 e 145 da Lei 16.559, de 15 de janeiro de 2019, do Estado de Pernambuco. Código de Defesa do Consumidor. 3. Dispositivos impugnados que vedam “a cobrança de taxas de abertura de crédito, taxas de abertura ou confecção de cadastros ou quaisquer outras tarifas, implícitas ou explícitas, de qualquer nomenclatura, que caracterizem despesas acessórias ao consumidor”. 4. Competência privativa da União para dispor sobre operações de crédito e relações contratuais securitárias. Invasão de competência pelo legislador estadual. 5. Ação direta de constitucionalidade julgada procedente. (ADI 6207, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 03-02-2021 PUBLIC 04-02-2021).

Frise-se que todos os julgados baseados na legislação supra estão eivados de inconstitucionalidade e, por isso, são nulas, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. OPERAÇÕES DE CRÉDITO. LEI ESTADUAL N. 16.559/2019: PROIBIÇÃO DE COBRANÇA DE TARIFAS BANCÁRIAS. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE SISTEMA FINANCEIRO. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO E RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDOS.
(…)
Na espécie, ao fundamentar a decisão na vedação posta no art. 31 e no inc. II do art. 33 da Lei estadual n. 16.559/2019, a Turma Recursal de origem afastou a declaração de inconstitucionalidade desses dispositivos pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.207/PE. 6. A vigência de súmula de Turma de Uniformização Jurisprudencial não esvazia o caráter vinculante e obrigatório da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle abstrato de constitucionalidade, nos termos do § 2º do art. 102 da Constituição da República, devendo a jurisprudência daquela Turma se adequar ao posicionamento adotado por este Supremo Tribunal.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário com agravo e ao recurso extraordinário (al. b do inc. V do art. 932 do Código de Processo Civil e § 2º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), para anular o julgado recorrido e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem para proferir nova decisão, observando o decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.207/PE. (ARE 1324615 / PE – PERNAMBUCO;RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO; Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA; Julgamento: 02/06/2021; Publicação: 08/06/2021; Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-108 DIVULG 07/06/2021 PUBLIC 08/06/2021).

Assim, os tribunais superiores estão cientes de que não é de forma genérica que se determina a Venda Casada, mas no caso a caso, devendo haver prova resoluta da coação do consumidor. Retrato disto é a necessidade de se regulamentar algumas regras para a decretação de ocorrência da Venda Casada, no nosso caso, a contratação de Seguro Prestamista nos contratos de Financiamento Veicular.

Em que pesem as decisões sobre a contratação de Seguro Prestamista estejam sendo fundamentadas no repetitivo 972 (Resp. 1.639.320 /SP), estas corriqueiramente têm tomado a simples existência da contratação de seguradora indicada pela financeira como venda casada e, sem qualquer outra justificativa, condenando o banco a ressarcir os valores do seguro e, até mesmo, aplicando condenação em danos morais. Dessa maneira, é necessária uma análise mais profunda na tese firmada acima: “2.2 – Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.”

A palavra-chave na assertiva acima é que o autor tem que ser compelido, ou seja, não basta a contratação da seguradora indicada, pois a aquisição do seguro concomitante com o financiamento é legal, neste sentido foi a fundamentação do Resp. 1.639.320 /SP, que assim expressa: a contratação do seguro é válida e legal, “A inclusão desse seguro nos contratos bancários não é vedada pela regulação bancária, até porque não se trata de um serviço financeiro, conforme manifestou o BCB em seu parecer, litteris:”

E após complementa: “Em outra passagem, o BCB destaca que esse seguro contribui para a redução da taxa de juros.”

Verificada a legalidade da contratação do seguro acoplada ao financiamento, temos que o consumidor deve demonstrar inequivocamente que foi obrigado a contratar o seguro, e mais, que teve que contratar unicamente com a seguradora ofertada pela financeira, conforme bem ficou delineado no Recurso Especial nº 2.101.019/SP:

No caso, a Corte estadual concluiu que a autora poderia optar pela contratação do seguro ou não, além de ter declarado prévio conhecimento sobre os títulos, concordando com todas as despesas incluindo o seguro, não havendo que cogitar em vício de consentimento.
Dessa maneira, a conclusão adotada pela Corte local está em harmonia com o entendimento do STJ, tendo em vista a inexistência de venda casada ante as peculiaridades do caso, incidindo, na espécie, a Súmula 83/STJ.

Dessa forma, fica evidente que o entendimento firmado no julgamento repetitivo do Tema 972 não é que todos os contratos que financiamento, em que haja contratação também da seguradora indicada pela financeira, serão casos de Venda Casada. Mas sim que, não se pode restringir o financiamento à contratação do seguro. Nesta senda, temos que a tese expressamente prevê que o contratante tem que ser compelido a contratar, com isso, é condicionante da suposta ilegalidade que o cliente seja forçado a contratar, e tal prova é do autor, como bem demonstrou a Relatora Maria Isabel Gallotti, em sua decisão no Recurso Especial nº 2075298/SP: “No caso dos autos, entretanto, o Tribunal de origem, com base no acervo fático-probatório da demanda, expressamente consignou que a parte autora não demonstrou ter sido obrigada à contratação do seguro, nem demonstrou suposta venda casada.”

Neste norte, é preciso se ter em voga que a tese firmada pelo STJ não coloca como condicionante a contratação com seguradora indicada pela financeira, mas expressamente diz ser compelido a contratar, o que não pode ser presumido, mas é necessária a prova da coação. Vale ressaltar que todas as contratações de seguro são devidamente assinadas pelo contratante, seja ela feita de forma presencial ou virtual, o que atesta a ação livre e consciente do cliente na contratação do seguro.

Diante disso, face à impossibilidade da financeira em produzir prova negativa, ao consumidor é facultada a prova de que a contratação do financiamento foi vinculada a aquisição do seguro. Nestes termos, segundo o Tema 972 do STJ, a contratação com a Seguradora indicada pelo banco é legal, até que o autor prove, nos termos do artigo 373, I do CPC, que teria sido obrigado a contratar o seguro.

Referências:

Código de Defesa do Consumidor;
Código de Processo Civil;
https://www.aurum.com.br/blog/venda-casada/?network=x&utm_source=google&utm_medium=cpc_pmax&utm_campaign=astrea_google-pmax_experimentar_aberta_trialsht_pmax-institucional&utm_content=&gad_source=1&gclid=EAIaIQobChMI7pLv7ubngwMVE0B_AB1c0QtOEAAYASAAEgIrofD_BwE;
ADI 6207, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021  DIVULG 03-02-2021  PUBLIC 04-02-2021;ARE 1324615 / PE – PERNAMBUCO;RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO; Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA; Julgamento: 02/06/2021; Publicação: 08/06/2021; Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-108 DIVULG 07/06/2021 PUBLIC 08/06/2021

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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