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Da (Im)possibilidade de condenação de honorários de sucumbência em Ação Civil Pública envolvendo a União – Tema nº 1.177


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01 de fevereiro 2023

Por Juan Pinheiro

Cumpre esclarecer que a Ação Civil Pública é um instrumento processual que foi instituído pela Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985. A presente legislação, disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados, por exemplo ao meio-ambiente, ao consumidor e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

De acordo com o Art. 5º da Lei nº 7.347/85, que traz o rol de legitimados para ajuizar as Ações Civis Públicas, entre eles está o Ministério Público. Posto isso, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, temos hoje em tramitação no poder judiciário mais de 200 mil Ações Civis Públicas. Vejamos:

Fonte: CNJ. Disponível aqui

O presente instrumento processual, ganhou destaque recentemente, em razão da discussão acerca da possibilidade ou não da condenação em honorários de sucumbência nas Ações Civis Públicas envolvendo a União. A 1º Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou dois recursos especiais (REsp 1.981.398 e REsp 1.991.439), para julgamento sob o rito dos repetitivos, sob o Tema 1.177 (artigo 1.036, § 1º, do CPC/2015). Restando determinado o seguinte:

                1. a afetação do presente recurso como representativo de controvérsia;
                2. a delimitação da seguinte tese controvertida: “Definir se é possível ou não a condenação da União ao pagamento de honorários de sucumbência em sede de ação civil pública”;
                3. a suspensão dos processos em que instaurada a discussão acerca da condenação da União em honorários advocatícios em sede de ação civil pública, limitando-a aos recursos especiais e agravos em recursos especiais interpostos perante os tribunais de segunda instância ou em tramitação neste STJ;
                4. a comunicação, com cópia do acórdão, aos Ministros do STJ, ao Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (NUGEP) desta Corte, aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça e à Turma Nacional de Uniformização;
                5. após nova vista ao Ministério Público Federal (art. 1.038, III, e § 1º, do CPC/2015 e art. 256-M do RISTJ), para manifestação.

Acerca do tema é válido indicar o que determina a Lei nº 7.347/85, em seu Artigo 18. Vejamos:

Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.  

Assim, nas Ações Civil Públicas, dificilmente há condenação de honorários de sucumbência em desfavor da União. O Superior Tribunal de Justiça, já se manifestou indicando que em razão do princípio da simetria, também não cabe condenação em honorários de sucumbência em favor da União. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISSENSO CONFIGURADO ENTRE O ARESTO EMBARGADO E ARESTO PARADIGMA ORIUNDO DA QUARTA TURMA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTENTADA PELA UNIÃO. CONDENAÇÃO DA PARTE REQUERIDA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DESCABIMENTO. ART. 18 DA LEI N. 7.347/1985. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

                1. Trata-se de recurso interposto em ação civil pública, de que é autora a União, no qual pleiteia a condenação da parte requerida em honorários advocatícios, sob o fundamento de que a regra do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 apenas beneficia o autor, salvo quando comprovada má-fé.
                2. O acórdão embargado aplicou o princípio da simetria, para reconhecer que o benefício do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 se aplica, igualmente, à parte requerida, visto que não ocorreu má-fé. Assim, o dissenso para conhecimento dos embargos de divergência ocorre pelo confronto entre o aresto embargado e um julgado recente da eg. Quarta Turma, proferido nos EDcl no REsp 748.242/RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 25/4/2016.
                3. Com efeito, o entendimento exposto pelas Turmas, que compõem a Primeira Seção desta Corte, é no sentido de que, “em favor da simetria, a previsão do art. 18 da Lei 7.347/1985 deve ser interpretada também em favor do requerido em ação civil pública. Assim, a impossibilidade de condenação do Ministério Público ou da União em honorários advocatícios – salvo comprovada má-fé – impede serem beneficiados quando vencedores na ação civil pública” (STJ, AgInt no AREsp 996.192/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30/8/2017). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.531.504/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21/9/2016; AgInt no REsp 1.127.319/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 18/8/2017; AgInt no REsp 1.435.350/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 31/8/2016; REsp 1.374.541/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 16/8/2017.
                4. De igual forma, mesmo no âmbito da Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, ainda que o tema não tenha sido analisado sob a óptica de a parte autora ser ente de direito público – até porque falece, em tese, competência àqueles órgãos fracionários quando num dos polos da demanda esteja alguma pessoa jurídica de direito público -, o princípio da simetria foi aplicado em diversas oportunidades: AgInt no REsp 1.600.165/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 20/6/2017, DJe 30/6/2017;

REsp 1.438.815/RN, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 1º/12/2016; REsp 1.362.084/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/5/2017, DJe 1º/8/2017.

                1. Dessa forma, deve-se privilegiar, no âmbito desta Corte Especial, o entendimento dos órgãos fracionários deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei n. 7.347/1985.
                2. Embargos de divergência a que se nega provimento.

(EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018).

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, também manifestou-se indicando que nas Ações Civis Públicas, ajuizadas por entidades privadas, o Réu pode ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios, visto que o princípio da simetria não deve ser aplicado (Resp 1.974.436/RJ). Vejamos o trecho do voto da Relatora Ministra Nancy Andrighi:

“(…) 18. Nessa linha de intelecção, trazendo a lição nupercitada à hipótese vertente, é imperioso ressaltar que esta Corte Superior possui alguns precedentes esparsos no sentido de que o entendimento proclamado no EAREsp 962.250/SP não se aplica às ações civil públicas propostas por associações e fundações privadas, pois, do contrário, barrado estaria, de fato, um dos objetivos mais nobres e festejados da Lei 7.347/1985, qual seja viabilizar e ampliar o acesso à justiça para a sociedade civil organizada. Nesse sentido, citam-se os seguintes precedentes: REsp 1.796.436/RJ, SEGUNDA TURMA, DJe 18/6/2019; AgInt no REsp 1.818.864/SC, SEGUNDA TURMA, DJe 24/4/2020. (…)”

Dessa forma, a princípio, com base nas decisões já proferidas pelo STJ, podemos extrair duas conclusões:

  1. Nas Ações Civis Públicas que a parte autora seja o Ministério Público ou algum ente da União, não cabe a condenação em honorários de sucumbência, seja em favor do autor ou do réu;
  2. Nas Ações Civis Públicas que a parte autora seja alguma Associação ou Fundação privadas, é possível a condenação em honorários de sucumbência em favor do autor.

Entretanto, apesar desses julgados no Superior Tribunal de Justiça, por diversas vezes o tema é motivo de discussão no bojo da Ação Civil Pública. Observa-se uma periodicidade frente à condenação do Réu em juízo de primeira instância, por ACP movida pelo Ministério Público, ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência. Nota-se também, o próprio Ministério Público, recorrer das decisões de primeira e segunda instância, buscando a condenação em honorários de sucumbência em seu favor.

Assim, algumas reflexões importantes para o julgamento do Tema nº 1.177:

  1. Qual posição será adotada pelo STJ?
  2. Qual será o impacto dessa decisão?
  3. Será que a possibilidade de condenação em honorários de sucumbência pela União, irá deixar mais coerente o valor da causa nas Ações Civis Públicas?
  4. Será que a possibilidade de condenação em honorários de sucumbência pela União irá deixar mais coeso o próprio ajuizamento das Ações pelo MP?

As reflexões acima são importantes, pois já conduzimos diversas defesas em Ações Civis Públicas, onde o valor da causa indicado pelo Ministério Público era de mais de R$ 1.000.000,00 e a condenação final não chegou perto disso. Atuamos em demandas onde os pedidos do MP, não eram coerentes para a propositura de uma Ação Civil Pública e em ambos os casos não houve qualquer condenação do Ministério Público em honorários advocatícios de sucumbência.

A respeito do tema, destacamos que em uma reunião junto ao Ministério Público, onde o tema discutido era a suposta falha na prestação de serviço da empresa investigada no Inquérito Civil, em razão do atraso na entrega dos produtos aos consumidores, apresentamos informações relevantes, demonstrando a quantidade de entregas realizadas no estado e comprovando que eventuais problemas nas entregas, não representavam nem 5% do volume total de entregas realizadas mensalmente.

Contudo, o Ministério Público negou-se debater o assunto, frisou que havia falha na prestação de serviço e que caso não fosse firmado um Termo de Ajustamento de Conduta, seria ajuizada a Ação Civil Pública. Tal situação levanta o seguinte questionamento: Se houvesse a condenação em desfavor do Ministério Público em custas processuais e honorários advocatícios, no ajuizamento das Ações Civis Pública, o MP teria sido tão intransigente?

Portanto, nesse momento, vamos acompanhar de perto o julgamento do Tema nº 1.177 e avaliar os eventuais impactos a respeito da futura decisão. Por essa razão, caso o estabelecimento comercial receba eventual notificação em Ação Civil Pública, é importante contar com uma assessoria jurídica especializada nessas demandas, para que seja possível auxiliar na tomada de decisões envolvendo essas ações judiciais.

 

Referência

BRASIL. Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985. Dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao Meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências.

Acesso em 13 de jan. 2023.

 

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