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Tarifas bancárias em contratos CDC: A simplicidade da lei e a complexidade das decisões judiciais


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08 de abril 2024

Autor: Rafael Arthur Ribeiro Carvalho

Ano após ano, o Poder Judiciário não consegue se livrar do pesado manto que as ações de cunho revisional colocaram sobre seus Setores de Distribuição. O tema “Tarifas Bancárias” continua sendo um dos principais objetos de discussão neste cenário, com foco na modalidade CDC – Crédito Direto ao Consumidor.

Nos contratos CDC, as Tarifas Bancárias mais discutidas são: Tarifa de Cadastro, Tarifa de Avaliação de Bem e Despesa com Registro de Contrato. Nomenclaturas como “TAC”, “TEC” e “Gravame Eletrônico” caíram em desuso, e outras atualmente são consideradas ilegais, como a “Comissão de Correspondente Bancário”, que não pode ser cobrada desde 25/02/2011 (Res. CMN 3.954/2011).

De Norte a Sul, de Leste a Oeste, dos Juizados às Varas Cíveis, nenhum tribunal ou comarca escapa. E, mesmo com o cenário de demandantes e advogados que dividem as demandas (revisionais e pedidos de devolução de Tarifas), já tendo sido descoberto, exposto e reportado aos Magistrados, não se vê desencorajamento na proposição deste tipo de pleito.

É certo que a excessiva concessão de Justiça Gratuita, sem qualquer tipo de comprovação, é um dos motivos que explicam o aumento das referidas ações ou, ao menos, nos ajudam a entender por que não houve ainda uma drástica diminuição de demandas deste tipo.

Inicialmente, é imprescindível esclarecer ao leitor que tais tarifas bancárias já estão regulamentadas e padronizadas pelo Conselho Monetário Nacional – CMN, por meio da Resolução n.º 3.518/2007, e sua legalidade já foi tema de Repercussão Geral, que serão expostos a seguir.

Surge a questão: será que essa quantidade de demandas que assola o Poder Judiciário surgiu apenas por conta dos advogados demandantes e/ou das concessões de justiça gratuita?

Começando pela Tarifa de Avaliação de Bem, esta se origina da atividade necessária da Instituição Financeira para confirmar que o objeto dado em garantia ao contrato realmente possui condições comerciais para tal.

Ainda mais frívola é a discussão sobre a Despesa com Registro de Contrato, que nada mais é do que o efetivo registro do contrato de financiamento junto ao DETRAN. Sua necessidade é indiscutível para dar publicidade ao ônus da alienação, impedindo que o veículo seja objeto de outros contratos.

Como pontuado anteriormente, essas tarifas já foram objeto de decisão no REsp 1.578.553-SP, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso, em 28/11/2018 – TEMA 958 STJ, que reconheceu a legitimidade destas.

Assim, no julgamento, que à época abrangeu quase 400.000 (quatrocentas mil) ações que estavam suspensas, restaram decidido pela legalidade da Tarifa de Avaliação de Bem e Registro de Contrato, desde que os serviços sejam efetivamente prestados.

Neste sentido, há magistrados que inclusive aplicam multa por litigância de má-fé a autores que ajuízam este tipo de ação, como é o caso do Dr. Guilherme Duran Depieri, por meio da sentença proferida em 18/12/2023, no processo de n.º 1083784-46.2023.8.26.0002 (10ª Vara Cível de São Paulo – SP – Foro Regional II – Santo Amaro):

 

Quanto às tarifas de avaliação de bem e de registro de contrato, houve reconhecimento da validade delas pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.578.553/SP, em sede de recurso repetitivo (tema 958). No presente caso, depreende-se que o veículo objeto do contrato foi efetivamente avaliado, uma vez que seu valor constou expressamente do contrato celebrado entre as partes, com comprovação dos procedimentos pelos documentos. O registro de contrato no órgão de trânsito, de seu turno, consta do próprio DUT do veículo. Por fim, depreende-se que a parte autora formulou pedidos contra teses firmadas em Recursos Repetitivos e em súmulas do C. Superior Tribunal de Justiça, deixando de cumprir o dever legal previsto no art. 77, II, do CPC, olvidando-se da força obrigatória dos precedentes estabelecida no art. 927 do mesmo diploma processual. Por tal razão, com fundamento no art. 80, I c/c o art. 81, ambos do CPC, aplico à parte autora multa por litigância de má-fé, correspondente a 5% sobre o valor da causa, em proveito da parte ré. (Juiz: Guilherme Duran Depieri; Sentença: 18/12/2023, Juízo: 10ª Vara Cível de São Paulo – SP – Foro Regional II – Santo Amaro).

 

Ora, o próprio STJ já sedimentou o entendimento de que a multa por litigância de má-fé deve ser aplicada nos casos em que o tema do processo já foi submetido aos Repercussivos, vide AgInt no REsp 1573980/PE – STJ. Contudo, mesmo após o Repercussivo citado, são proferidas decisões que não apenas abalam a segurança jurídica, mas também colocam em xeque a supremacia dos tribunais superiores, como é o caso das sentenças proferidas nos autos de n.º 0028840-07.2023.8.17.8201, em 15/08/2023, e 1003297-14.2022.8.26.0297, em 28/06/2022, respectivamente. Vejamos:

 

A Tarifa de Registro – não tem autorização do Banco Central e tem a finalidade de proteger o crédito da instituição financeira, havendo precedentes do STJ orientando no sentido de que a cobrança deve ocorrer se prevista expressamente no contrato e haver autorização do Banco Central sobre a despesa, portanto se não há autorização do Banco Central ou Resolução, não pode a despesa ser repassada ao consumidor. Devendo, portanto ser devolvida em dobro. (Juíza: Maria Rosa Vieira Santos; Processo n. 0028840-07.2023.8.17.8201; Sentença: 15/08/2023, Juízo: 5º Juizado Especial de Recife – PE).

É certo que o réu apresentou documento comprovando suposta avaliação do bem. No entanto, é necessário laudo detalhado. Ora, até um contrato de locação de veículo exige uma descrição mais apurada. Além disso, o que temos observado neste Juizado é que o modelo de documento utilizado pelo réu é o mesmo, como se todos os veículos fossem iguais. Como se vê, não há comprovação de que fora realizada avaliação, por meio de descrição apurada, considerando a especificidade do veículo. Não bastasse, não há, sequer, nota fiscal comprovando a efetiva prestação do serviço. Logo, a cobrança revela-se abusiva. (Juiz: Fernando Antonio de Lima; Processo n. 1003297-14.2022.8.26.0297; Sentença: 28/06/2022; Juízo: Juizado Especial de Jales – SP).

 

Como seria possível a consolidação de um entendimento sobre um tema se o próprio Poder Judiciário cria entraves e novidades para a sua aplicação? Em nenhum momento do julgamento dos Repercussivos restou delimitada, por exemplo, a qualidade desses serviços, mas tão somente a sua comprovação.

O fato de haver hoje tamanha discrepância de entendimento entre os magistrados, em uma matéria que o próprio Judiciário ilustrou como simples, é, com toda a certeza, um dos maiores motivos pelos quais ações deste tipo se proliferam, facilitando o trabalho dos advogados agressores e, pior, os encorajando.

Portanto, o quadro de milhares de ações indenizatórias desse segmento pode parecer desafiador, mas grande parte da sua solução é simples e caseira: basta todos colocarem em prática aquilo que já foi determinado em 2018.

 

Referências:

 

Código de Defesa do Consumidor;

Código de Processo Civil;

Resolução n.º 3.518/2007 – CMN;

Resolução n.º 3.954/2011 – CMN;

TEMA 958 STJ;

REsp 1.578.553-SP – Ministro Paulo de Tarso;

AgInt no REsp 1573980/PE – STJ;

Processo n.º 1083784-46.2023.8.26.0002 (10ª Vara Cível de São Paulo – SP – Foro Regional II – Santo Amaro);

Processo n. 0028840-07.2023.8.17.8201; Sentença: 15/08/2023, Juízo: 5º Juizado Especial de Recife – PE – Juíza: Maria Rosa Vieira Santos;

Processo n. 1003297-14.2022.8.26.0297; Sentença: 28/06/2022; Juízo: Juizado Especial de Jales – SP – Juiz: Fernando Antonio de Lima;

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