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Política de acordos e o processo judicial de massa


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14 de março 2024

Autora: Cristiane Gugel

O cenário atual de ações de massa comprova uma mudança das demandas que ingressam no Judiciário, sugerindo uma mudança de paradigma no que toca aos litígios e à necessidade de se ter uma política de acordos.

Quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024.

Histórica e essencial, o processo judicial sempre foi o instrumento do Estado para a efetiva resolução de conflitos. Por questões mais do que óbvias, o Estado tirou dos particulares o tratamento e a solução de problemas que surgissem entre eles e, calcado em regras pré-estabelecidas e criadas de maneira abstrata para se amoldarem aos casos em concreto, tomou para si a titularidade do instrumento que ao final de um “devido processo legal” dirá quem naquele determinado conflito tem razão total ou parcial.

E as raízes do direito litigioso remontam essencialmente às relações civis e aos conflitos entre particulares. Desde os Diplomas Legais mais antigos – e aqui faz-se referência ao Código Civil de 1916 –, a legislação tratou de prever o máximo de situações possíveis entre pessoas que aqui serão referidas como pessoas em “igualdade de condições”. E, trazendo esses conceitos para o processo civil, faz-se referência, por exemplo, a uma distribuição igualitária dos ônus que cada parte possui para expor e defender seus direitos em Juízo.

Porém, a evolução da sociedade, das relações interpessoais e, principalmente do mercado empresarial forçaram igualmente uma evolução da legislação nacional que pudesse abranger esse novo cenário que passaria a ser mais habitual e recorrente do que o cenário das relações jurídicas entre pessoas. E, o exemplo que fomenta a redação desse texto é o Código de Defesa do Consumidor.

De maneira direta, esta lei tratou de regulamentar as relações entre pessoas naturais e pessoas jurídicas, refletindo em seu texto e conteúdo a diferença de poder e de tamanho entre essas figuras. Trata-se de uma lei de proteção, com regras que buscam equilibrar uma relação a partir da facilitação da defesa da pessoa natural frente à pessoa jurídica.

Nos dias atuais, é impossível desatrelar relações de consumo e Código de Defesa do Consumidor da ideia de processo judicial massificado. Um fenômeno que acompanhou a implementação do processo judicial eletrônico e que hoje é uma realidade cujo fim ou desaparecimento são inimagináveis.

Voltando-se às raízes dos litígios jurídicos, é possível dizer que, diferente do cenário que existia pré-CDC, hoje a esmagadora quantidade de litígios envolve grandes empresas de diversos segmentos e os consumidores de seus produtos e serviços. Daí porque se falar em processos de massa, ou seja, ações de mesma natureza que colocam uma mesma pessoa jurídica no polo passivo de milhares de ações com a mesma causa de pedir, mas com autores diversos.

E, o processo de massa, na interpretação desta autora, será sempre um indicativo de oportunidades criadas por aqueles que operam o direito. Cada produto ou cada serviço será estudado sob a perspectiva do Código de Defesa do Consumidor, de maneira que a oportunidade criada se mostre efetiva ou não para aquele determinado produto ou serviço.

Transpondo essa oportunidade para o cenário judicial, o sucesso dessa permitirá àquele fornecedor saber se seu produto ou serviço não atende a legislação, caracterizando-se como violador de direitos, ou se ele atender parcialmente a legislação. Em um caso ou outro, ele demandará uma reação do fornecedor, uma vez que a enorme quantidade de produtos ou serviços iguais tornará o litígio em ações de massa.

Quer se dizer com isso que, até o momento em que o fornecedor não conseguir emplacar no Judiciário um entendimento suficientemente capaz de contrapor àquelas ações de massa ou não mudar o seu produto ou serviço, aquele tipo de processo terá o poder de lhe trazer prejuízos.

Com efeito, diante exatamente de um cenário que, ao menos a curto prazo, não possa ser revertido dentro da operação de determinado fornecedor, uma política de acordos bem desenhada para um cenário de processos de massa surgirá como a melhor opção ao alcance de qualquer empresa que se encontre nessa situação.

Hoje os custos com uma ação judicial de massa podem envolver, além da necessária contratação de um escritório de advocacia grande o suficiente para absorver de maneira segura uma grande base de processos, custos com a produção de provas (v.g. perícia técnica), despesas que esse escritório venha a ter com a contratação de correspondentes em comarcas do interior, pagamento de custas processuais, preparos de recursos, encargos sobre as condenações, e a própria condenação em si.

No sentir desta autora, esse exato cenário demanda uma política de acordos que poderá ser muito benéfica para esse determinado fornecedor. Ter mapeado o entendimento do Judiciário daquela localidade, o ticket médio das condenações – pontos relativamente simples para processos massificados – permitirá a qualquer empresa formular uma política de acordos que seja ao mesmo tempo atrativa para aqueles consumidores e econômica para o fornecedor.

Sem embargo, não se ignora que a criação de uma política de acordos para determinados tipos de demandas pode trazer outros efeitos indesejados para qualquer empresa, a exemplo de um aumento no número daquelas demandas pelo exato fato de existir uma “condenação certa”, ou seja, a garantia de que aquela empresa, de alguma maneira, vai efetuar algum pagamento para aquele consumidor.

E, exatamente por força de efeitos como o mencionado acima, entende-se que uma política de acordos não deve ser uma solução a longo prazo. Pelo contrário. A motivação desta, como dito alhures, reúne ao mesmo tempo a impossibilidade de, a curto prazo, as empresas mudarem a forma de oferta daquele produto ou serviço objeto dessas demandas de massa, bem como o cenário judicial desfavorável a esse fornecedor.

Isso porque nenhum fornecedor de um produto ou serviço de grande alcance os lança com o objetivo de lesar consumidores, de maneira que a resposta do Poder Judiciário acaba sendo o termômetro dessas empresas para reconhecerem que seus produtos ou serviços precisam de adequação ou mesmo de serem retirados do mercado.

Assim, estarem preparados e alinhados com os escritórios parceiros com um fluxo interno de política de acordos ao mesmo tempo que promove as mudanças necessárias na sua operação é, na leitura desta autora, a melhor maneira de se tratar ações de massa.

 

Cristiane Maria Souza Gugel é advogada do Mascarenhas Barbosa Advogados, responsável pela célula de acordos do escritório.

 

Política de acordos no mercado de consumo atual e o tratamento de ações de massa pelo Judiciário, força as empresas a preverem políticas relacionadas a acordos judiciais. É o que entender a advogada Cristiane Maria de Souza Gugel.

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